Iphan aprova tombamento do Palacete 10 de Julho, em Pindamonhangaba

Construção foi inscrita nos Livros de Tombo das Belas Artes e Histórico

Vista do Palacete 10 de Julho
Vista do Palacete 10 de Julho. (Foto: Divulgação/PMP)

O Palacete 10 de Julho, representação arquitetônica e histórica de Pindamonhangaba (SP), teve seu tombamento definitivo aprovado na terça-feira (25), pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), durante a 111ª reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, órgão colegiado de instância máxima do Iphan responsável pela avaliação e reconhecimento de bens culturais brasileiros.

A edificação está oficialmente inscrita nos Livros de Tombo das Belas Artes e Histórico devido sua arquitetura única e por reconhecer e incluir a memória de trabalho e sofrimento dos negros escravizados naquela região durante o ciclo do café no Brasil, apogeu econômico da cidade. O tombamento também inclui os bens integrados constituídos pelo conjunto pictórico formado por sete quadros a óleo que integram a galeria de retratos no salão do pavimento superior do prédio.

Atualmente, o prédio é sede da Secretaria de Cultura e Turismo Municipal e do Centro de Memória Barão Homem de Mello (CMBHM), que guarda o arquivo histórico da cidade, além de seus salões serem palco de exposições, oficinas, palestras e eventos que movimentam a vida cultural de Pindamonhangaba. Essa relevância contemporânea é o capítulo mais recente de uma longa história que transformou um ícone de poder privado em um marco de identidade coletiva.

O autor do parecer do Processo de Tombamento, Antonio Gilberto Ramos Nogueira, conselheiro representante da Associação Nacional de História (ANPUH), valorizou “as iniciativas públicas empreendidas no âmbito municipal, sobretudo em torno da valorização do patrimônio histórico, do turismo sustentável e da educação patrimonial”.

História: café, escravidão e ressignificado

A Pindamonhangaba da segunda metade do século 19 vivia uma transformação impulsionada pela economia do café. A cidade, que o viajante e botânico francês Auguste de Saint-Hilaire descrevera em 1822 como um lugar de “casas baixas, muito pequenas”, era elogiada na década de 1860 pelo escritor brasileiro Augusto Emílio Zaluar por sua “poética arquitetura” e suas “largas e formosas ruas”.

Foi nesse cenário que o município se consolidava como um centro de riqueza, que a elite cafeeira passou a erguer residências monumentais para afirmar seu poder, e o futuro Palacete Dez de Julho nasceu como um dos maiores expoentes desse movimento.

Originalmente chamado “Palacete Itapeva”, o nome atual do edifício, “Palacete Dez de julho”, foi criado por uma lei municipal em 11 de julho de 1948 e é uma homenagem ao dia da emancipação política de Pindamonhangaba. Em 10 de julho de 1705, o povoado recebeu foros de vila, por ato da Rainha Dona Catarina, ficando, portanto politicamente emancipado de Taubaté (SP). Por isso a data é a data magna da cidade, que não tem data de fundação, mas sim de emancipação.

Projetado pelo arquiteto francês Charles Peyrouton, a obra foi executada, entre 1866 e 1876, pelo mestre português Francisco Antônio Pereira de Carvalho, conhecido como “Chiquinho do Gregório”. O Palacete tem um estilo eclético com forte influência neoclássica francesa, refletindo o desejo da elite cafeeira de espelhar os padrões de sofisticação europeus. A construção representa um marco de transição tecnológica para a época.

Em contraste com a tradicional taipa de pilão, a obra emprega técnicas mistas, com o uso inovador da alvenaria de tijolos queimados, sinalizando a modernidade desejada. A riqueza do período está materializada nos acabamentos de luxo, muitos dos quais importados, como o assoalho em pinho de Riga, as grades de ferro fundido e a imponente escadaria principal em mármore. Na entrada, os raros ladrilhos hidráulicos belgas impressionam, com padrões que retratam figuras mitológicas como o leão, a águia, o dragão e o peixe, símbolos da erudição clássica importada pela aristocracia.

O edifício é prova material do ápice da economia cafeeira no Vale do Paraíba, região que se estende pelos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, era a principal área produtora de café durante o ciclo do café no Brasil, chegando a dominar a maior parte do mercado interno nacional, erguido com a fortuna acumulada pelos “barões do café”.

Na contramão de todo esse luxo, o Palacete tem forte conexão com o contexto no qual foi inserido no século 19. Segundo parecer técnico, estudos mostram que em 1878, a população escravizada em Pindamonhangaba representava um quarto dos habitantes (3.718 escravizados para 14.636 habitantes). Em 1882, a cidade era a terceira com o maior número de escravizados na região.

Um importante fazendeiro e membro da aristocracia cafeeira de Pindamonhangaba, Inácio Bicudo de Siqueira Salgado, o Barão de Itapeva, foi o primeiro proprietário e residente do Palacete Dez de Julho. Em um jornal do Tribuna do Norte de 1884, o então Barão aparecia numa lista para cobrança de impostos, com o registro de 72 escravizados.

A arquitetura do Palacete é reflexo dessa realidade. Composta por três pavimentos, o porão do edifício era onde se desenvolviam as práticas domésticas e onde moravam os negros escravizados, enquanto os pavimentos superiores ostentavam o luxo do mármore e do pinho de Riga.

“A mão de obra dos negros africanos foi essencial para a construção dos edifícios brasileiros, que reverberam a opulência do poder colonial, e para a manutenção desses mesmos itens, seja por movimentar o cotidiano que circundava tais bens ou por oferecer um conhecimento especializado ancestral sobre as técnicas construtivas. Assim, considera-se essencial elaborar narrativas que revelem o protagonismo negro diante dessas obras que requerem o título de patrimônio histórico e artístico nacional”, destacou o conselheiro.

De império à casa do povo

A residência pertenceu à família do Barão de Itapeva até 1928, quando foi adquirida pelo poder público municipal, após o falecimento da baronesa, em 1925. O local foi sede da Câmara Municipal até 1984 e da Prefeitura de Pindamonhangaba até julho de 2007.

Após décadas de uso administrativo, iniciou-se, em 2009, a execução de obras de restauração, viabilizadas por aporte de mais de R$ 7 milhões da Lei Rouanet, que garantiu a preservação das características principais do imóvel com implantação de acessibilidade. Em dezembro de 2014, o Palacete foi reaberto, renascido como um moderno espaço cultural.

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O tombamento definitivo do monumento irá salvaguardar as múltiplas e complexas camadas de sua história: do poder dos barões do café sustentado pela mão de obra escravizada à consolidação da identidade do povo de Pindamonhangaba. Ao tornar-se patrimônio cultural nacional, o Palacete garante que sua história continue a ser contada, estudada e preservada por todas as gerações.

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