
A Marinha do Brasil (MB) e o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) iniciaram uma etapa importante em prol do setor nuclear do País. O reator de pesquisa IEA-R1 passou a operar em regime contínuo, em turnos de revezamento conduzidos por militares da Força Naval e técnicos do IPEN, voltados à produção inicial de radioisótopos, substâncias utilizadas principalmente em aplicações médicas e industriais, por emitirem radiações controladas.
O foco inicial é o Lutécio-177, radioisótopo utilizado na marcação de moléculas específicas de alto valor terapêutico, considerado referência no tratamento de tumores neuroendócrinos e no combate ao câncer de próstata.
O Diretor-Geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha, Almirante de Esquadra Alexandre Rabello de Faria, ressaltou a importância da formação dos militares:“Esse processo de qualificação é muito especial para o Programa Nuclear da Marinha. A gente fica feliz porque é um processo difícil e eles conseguiram. Isso demonstra que nosso pessoal tem potencial e muita capacidade. Essa formação vai ao encontro da natureza da profissão militar, que é servir. Esses militares estão servindo e prestando um serviço para produzir o bem, colaborando com a produção de radiofármacos e com sua entrega ao serviço de saúde”, afirmou o Almirante de Esquadra Rabello.
O presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), Francisco Rondinelli Junior, destacou que a iniciativa simboliza um marco de cooperação institucional e de entrega direta à sociedade.“Este momento entrega para a sociedade profissionais capacitados, capazes de explorar o potencial da área nuclear em termos de aplicações, desenvolvimento e saúde. A utilização na medicina é apenas um dos exemplos, mas o alcance é muito maior. É, sem dúvida, um momento de muita satisfação e de celebração, fruto de uma parceria que deve continuar por muito tempo”, afirmou o presidente da CNEN Rondinelli.
As primeiras amostras de Lutécio-177 foram marcadas com PSMA (Antígeno de Membrana Específico da Próstata) na Radiofarmácia do IPEN, e os resultados obtidos foram satisfatórios. A divulgação ocorreu na sexta-feira, 29 de agosto, data em que o Instituto celebrou 69 anos de fundação, oficialmente completados em 31 de agosto.Com a validação confirmada, o IEA-R1 passou a produzir oficialmente o radioisótopo, possibilitando sua transformação em radiofármacos capazes de atender, futuramente, parte da demanda nacional.
A Coordenadora do Centro de Radiofarmácia do IPEN, Dra. Elaine Bortoleti, destacou que a operação contínua do reator representa um marco após mais de uma década.“Já fazia mais de dez anos que o reator não operava de forma contínua. Essa retomada possibilita a produção de amostras de material radioativo que servem como matéria-prima essencial para a fabricação de radiofármacos utilizados na medicina nuclear. Produzir localmente traz autonomia, já que hoje praticamente quase tudo precisa ser importado. Mesmo sendo ainda uma produção experimental e em pequenas quantidades, é um primeiro passo muito importante, que abre expectativa de crescimento e de atender parte da nossa demanda por esses insumos fundamentais para a saúde”, explicou a coordenadora do Centro de Radiofarmácia Elaine.

A conquista representa mais do que um avanço tecnológico: trata-se de um esforço compartilhado para reduzir a dependência externa na área da saúde. Apenas em 2023 e 2024, o Brasil importou cerca de 50 milhões de dólares em radioisótopos como Molibdênio-99, Iodo-131 e o próprio Lutécio-177. A produção em grande escala tem potencial para gerar economia anual significativa, reforçar a soberania científica e tecnológica e ampliar o acesso da população a terapias nucleares avançadas.
O Coordenador do contrato de parceria, designado pela Marinha, Capitão de Mar e Guerra Enéas Tadeu Fernandes Ervilha, e o Gerente do reator, Dr. Frederico Genezini, destacaram que os avanços obtidos resultam da cooperação entre a MB e o IPEN. O progresso decorre do Acordo de Parceria para Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação, firmado entre o CTMSP e o IPEN/CNEN, cujo objetivo é capacitar operadores de reator nuclear e fomentar a pesquisa aplicada à produção de radioisótopos.
O Comandante Enéas frisou, ainda, que a experiência dos operadores atende a parte dos requisitos de qualificação técnica nuclear exigidos aos futuros candidatos a operadores do Laboratório de Geração de Energia Nucleoelétrica (LABGENE).
O desempenho dos militares da Marinha foi expressivo. Em 2023, quatro operadores sênior e seis operadores de reator foram licenciados pela CNEN; em 2024, outros nove conquistaram a habilitação. Neste ano, um supervisor e quatro técnicos de proteção radiológica já foram credenciados, enquanto cinco candidatos aprovados na prova escrita aguardam a avaliação prático-oral marcada para setembro.
Os militares da Marinha alcançaram 100% de aprovação nos processos de licenciamento da CNEN. Esse resultado permitiu a formação de equipes de turno compostas por operadores da Força Naval e do IPEN, altamente qualificadas e em número suficiente para viabilizar o início da operação destinada à produção do Lutécio-177.
Para o Coordenador do programa de treinamento e professor Dr. José Roberto Berretta, a formação do IPEN é fundamental para preparar operadores de reatores. Ele destaca que a estratégia do curso é compartilhar ao máximo as informações sobre a instalação, proporcionando um aprendizado prático e aprofundado. O professor Berretta também ressalta que um bom operador de reator deve ter um conhecimento amplo de diferentes reatores, e não se limitar a apenas um. Essa abordagem, segundo ele, eleva os padrões de segurança operacional.
Desde o início de agosto, a operação em regime contínuo, com turnos de vinte e quatro horas tem sido conduzida por equipes da Marinha e do IPEN. Após a obtenção da licença, os militares passaram a integrar oficialmente a rotina operacional do reator.
O Grupo de Proteção Radiológica é essencial para garantir que a operação em turnos ocorra com total segurança, tanto para o reator quanto para as equipes envolvidas. O trabalho assegura que cada etapa da produção do Lutécio-177 seja conduzida dentro dos mais rigorosos padrões de proteção radiológica e segurança nuclear.
O convênio, válido até 2027, prevê ainda a produção nacional de Iodo-131 e a realização de novas pesquisas sobre elementos químicos a serem irradiados.
A superintendente do IPEN, Dra. Isolda Costa, ressaltou que os resultados alcançados demonstram a importância da complementaridade entre as instituições, especialmente para garantir a transferência e a preservação de conhecimentos para as novas gerações.“O benefício dessa parceria é enorme. Sem o IPEN, não haveria transferência de conhecimentos, e sem os militares da Marinha não teríamos pessoal capacitado para operar o reator de forma contínua, inclusive, durante a madrugada. Essa sinergia é fundamental, pois garante a preservação do conhecimento, ao mesmo tempo em que forma novas gerações capazes de levar adiante esse legado para o futuro”, explicou a Dra. Isolda.
Dra. Isolda durante discurso – Imagem: Terceiro-Sargento Coronha/Marinha do BrasilCom a validação concluída, a Marinha e o IPEN iniciaram a produção nacional de Lutécio-177, insumo essencial no tratamento do câncer. A iniciativa reduz a dependência de importações e amplia a oferta de radiofármacos, fundamentais para pacientes em todo o País.