
A viagem a Finisterra, em Espanha, foi programada com antecedência e tudo planeado ao pormenor para que nada faltasse a um grupo de aventureiros do asfalto. O PortalR3 deu a conhecer esta associação em vésperas do Natal de 2024 e, desde então até cá, o programa das festas, digamos assim, tem sido afetado pelo mau tempo que tem assolado o território português. Muito frio, chuva intensa, vento forte, enfim, é o clima que temos durante o inverno e mesmo na primavera. Uma coisa é certa, pelo menos não vai haver falta de água durante o verão, especialmente a Sul do país – Alentejo e Algarve -, zona onde por vezes a seca traz bastantes problemas, especialmente à agricultura.
Nesta nossa aventura tivemos sorte, pois partimos com clima agradável e as previsões até apontavam para um agravamento tempo, o que em parte se veio a verificar, mas pelo menos não choveu. As VeloSolex (ou Solex) são bicicletas com motor auxiliar a combustão – agora só se fabricam elétricas -, pelo que os pedais apenas estão lá para uma ou outra subida mais íngreme. E até foram necessários, principalmente na segunda etapa da viagem, pois desde a fronteiriça cidade de Valença, em Portugal, até Porrinho, concelho da província de Pontevedra, na Galiza, Espanha, aquilo sobe bem. As mais de três centenas de quilómetros de ligação entre a cidade da Maia e Finisterra lá foram cumpridas com sucesso, ainda que com algumas avarias de permeio, prontamente solucionadas pelo Nuno Cordeiro, o melhor mecânico do mundo e arredores.
Um dia de testes na serra com almoço a condizer
Antes da partida tivemos um dia de testes, com uma subida à Serra da Agrela, no concelho de Santo Tirso, distrito do Porto, e a exigência do trajeto obrigou mesmo a umas boas pedaladas. Tudo em ordem, as Solex responderam bem ao esforço e nós fomos devidamente recompensados com um almoço de excelência numa casa típica da zona. O repasto foi servido na antiga messe dos guardas prisionais da cadeia de Paços de Ferreira – ainda ativa -, espaço esse agora transformado num restaurante de muita qualidade e com iguarias de comer e chorar por mais. Eu fui num pernil assado no forno, mas outros optaram por bochechas de porco estufadas e feijoada à transmontana, um dos pratos mais tradicionais da gastronomia portuguesa, à base de orelha, focinho e chispe de porco fumado, mais o saboroso feijão vermelho e arroz no forno. Esta iguaria é muito apreciada no Domingo Gordo, antes do Carnaval, e reza a história que teve origem na região de Trás-os-Montes. Nada que os nossos amigos brasileiros desconhecem, pois este é um gosto comum na culinária dos dois países. Pelo que se vê, pratos bem calóricos para o tempo frio, regados à maneira com um verde tinto da região servido em malgas, ou tigelas, de porcelana.
Ultrapassados os testes, com as máquinas devidamente afinadas, restava-nos aguardar pela viagem que iríamos fazer em três etapas de sensivelmente uma centena de quilómetros cada uma. Aproveitamos o feriado do 1º de Maio, Dia do Trabalhador, para metermos mãos ao trabalho, ou melhor, aos pedais. Colocadas as Solex a trabalhar e com os depósitos atestados – fazem uma média de pouco mais de um litro de combustível por cada 100 quilómetros percorridos – lá iniciamos a nossa aventura. Foi quase uma direta até Valença, apenas com paragem em Vila do Conde, a meio do trajeto, para que se juntasse ao grupo um elemento que vive naquela bonita cidade do litoral, próximo da Póvoa de Varzim.

Flores de Maio em Valença depois do sarrabulho
É tradição em algumas zonas de Portugal comemorar-se o 1º de Maio com as chamadas maias, que mais não são do que ramos de giestas, utilizadas para enfeitar as portas e janelas para afastar o mau-olhado. Mas o dia também é aproveitado para enfeitar outros espaços. Em Valença, numa iniciativa da edilidade local (prefeitura como dizem por aí) a data é comemorada com a “Flor de Maio”, ou seja, uma mostra floral no Jardim Municipal, junto à Fortaleza, o principal ícone daquela cidade do Alto Minho que faz fronteira com Espanha. E neste primeiro dia da nossa viagem fomos agradavelmente recebidos com flores de várias cores, ali colocadas por diversas escolas e associações que não perdem a oportunidade para mostrar os espetaculares enfeites. Aliás, o Minho é por excelência uma zona em que o colorido predomina, não só através desses bonitos arranjos florais, como também nos vistosos trajes tradicionais, peças antigas e algumas até raras, coleções que saem às ruas em tempo de festas. Viana do Castelo, capital do Alto Minho, é um dos expoentes máximos das festividades com a realização anual da Feira de Santa Luzia.
Antes da chegada a Valença, como não podia deixar de ser, fizemos uma paragem em Ponte de Lima, cidade rica em história, mas bem conhecida pela sua gastronomia. A ementa principal dá pelo nome de arroz de sarrabulho, prato confecionado com diversos tipos de carnes (porco, vaca e galinha) e é servido “malandrinho”, ou seja, com o molho da cozedura ainda muito líquido. Acompanha com uns belos rojões à moda do Minho, marinados de um dia para o outro com vinho verde, sal, alho, pimenta e colorau, e a indispensável tripa e fígado de porco. Convenhamos que o menu da ordem foi um pouco pesado e logo no primeiro dia da viagem, que nem subidas tinha, pois de Maia a Valença o percurso é todo plano e feito sempre a rolar, por isso sem a ajuda dos pedais da Solex.
Rumo a Porrinho com almoço ao ar livre
O segundo dia do nosso passeio ligou Valença a Porrinho, concelho da província de Pontevedra, na comunidade autónoma da Galiza, já em Espanha. E lá vieram as longas subidas, obviamente mais cansativas para quem ultrapassa os limites do peso corporal, forçando os viajantes a umas quantas paragens para refrescar. Muita água para desidratar e vamos lá que se faz tarde antes que chova. A verdade é que o tempo ameaçou ficar feio por diversas ocasiões, mas lá em cima o São Pedro devia estar a “acompanhar” a aventura e terá decidido não abrir a torneira. As Solex rolam bem em terreno molhado, mas dada a engenharia que as faz mover ser feita por tração à roda da frente, perdem algum rendimento, para lá do perigo que pode advir do mau tempo.
Para esta segunda etapa, chegada hora de almoço, deliciamo-nos com umas línguas de porco assadas na brasa acompanhadas de cerveja bem fresquinha. O cozinheiro de circunstância foi o condutor do furgão, veículo equipado com ferramentas e algumas peças indispensáveis para reparações rápidas nas nossas máquinas. Aliás, serviu também para transportar as Solex no regresso a Portugal, pois o programa apenas incluía a ida até Finisterra, Fisterra em galego. O nome deriva da expressão “fim de terra” por ser o ponto mais ocidental de Espanha e dali só se avistar a imensidão do mar. Bem, mas quanto ao almoço ao ar livre, lá acendemos as brasas para assar as ditas línguas, muito bem temperadas pelo “chef” de ocasião, ficando desde logo a promessa que a refeição irá repetir-se num dia destes, pois, como é costume dizer-se, ficamos todos com água na boca.

Olá Santiago de Compostela… e até breve
Os Caminhos de Santiago são uma rota de peregrinação bem conhecida, pois em Santiago de Compostela encontra-se o túmulo do apóstolo São Tiago, venerado em todo o mundo. Por norma, o caminho é feito a pé a partir de vários locais da Europa, mas há quem opte pela bicicleta ou mesmo a cavalo. No nosso caso fizemo-lo nas Solex, o que não deixa também de ser uma peregrinação, ainda que a diversão e o convívio entre amigos tivessem sido o mote da viagem. Aliás, esta não foi a primeira vez que nos deslocamos àquelas paragens de Espanha, nem por certo será a última, pois na despedida de Santiago diz-se sempre “até breve”. Essa foi a promessa que deixamos enquanto peregrinos e seguramente que a iremos cumprir.
Uma coisa é certa, por onde passamos despertamos a atenção de muita gente e somos alvo de uma infinidade de registos fotográficos. Em Portugal há bastantes modelos destes velocípedes com motor auxiliar, mas grupos como o nosso existem poucos. Porém, com a recente alteração de um artigo do código da estrada tornou-se alvo de interpretações diversas, mesmo para as próprias autoridades policiais, pois alguns agentes passaram a considerar as Solex como ciclomotores por serem movidas a combustível. Esta é uma questão que estamos a tratar junto do IMT (Instituto da Mobilidade e dos Transportes), pois há que esclarecer de uma vez por todas os termos do referido artigo para evitar problemas que não desejamos.

De Santiago a Finisterra foi um “pulinho”, isto é, mais cerca de 90 quilómetros a subir até à tão desejada chegada para as fotos e os vídeos da praxe. Uns mais cansados, outros nem por isso, para a história da associação VeloSolex Portugal ficou mais uma de muitas aventuras, a última bem mais puxada, pois fomos da cidade da Maia ao Algarve, qualquer coisa como 700 quilómetros, naturalmente feitos num período de tempo mais alargado. E é isto, viramos mais uma página de uma história que nos deixa orgulhosos por podermos “transportar” uma parte do nosso Portugal para fora de fronteiras. No essencial, cultivamos a amizade e ocupamos os tempos livres a fazer o que mais gostamos com civismo e responsabilidade.
Só para terminar, ainda há pouco tempo recebemos da parte de profissionais da área da medicina uma formação sobre Suporte Médico de Vida. É evidente que não substituímos ninguém, mas pelo menos ficamos minimamente habilitados a prestar os primeiros socorros se confrontados, por exemplo, com uma queda ou até com um quadro clínico mais grave. O saber não ocupa espaço.
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