
Em Portugal estamos em plena estação de outono, ainda com temperaturas agradáveis, mas com o inverno à porta. Nestes primeiros dias de novembro é tempo da habitual ida aos cemitérios para que se cumpra o ritual que homenageia os canonizados e mártires de Cristo. Altura ainda para se recordar os mortos e as suas almas no Dia dos Fiéis Defuntos, uma celebração católica que remonta ao século II.
O culto é sagrado, mas indissociável de costumes e de tradições. Por norma, este é também tempo de convívio familiar entre amigos para comer castanhas e provar o vinho novo das recentes vindimas, bem como a água-pé. Os magustos sucedem-se um pouco por todo o lado e transformam-se em festas populares, tradicionalmente à volta de fogueiras, mas o que importa mesmo é o convívio. Para celebrar a vida, lembrando com saudade os que partiram.
“No dia de São Martinho, pão, castanhas e vinho”, assim reza o provérbio. Sejam assadas na brasa, cozidas com erva-doce ou piladas, as castanhas são um dos alimentos de eleição nesta altura do ano. O Halloween, ou Dia das Bruxas, enraizou-se nos costumes dos portugueses e as crianças adoram vestir-se com os tradicionais fatos alusivos a esqueletos, monstros, bruxas e demónios. Brincadeiras e travessuras feitas de muita fantasia de origem pagã que os disfarces transformam em espírito burlesco repleto de animação. É assim um pouco por todo o lado, uma celebração originária da Irlanda, no Reino Unido, fazendo fé na história, e não dos Estados Unidos.
As castanhas não podem faltar na festa, por norma assadas na brasa e a estalar. Acompanham com um bom vinho novo, preferencialmente bebido em malgas ou canecas de porcelana. A Norte de Portugal cai bem com um tinto daqueles que sujam a boca, praticamente acabado de ser vindimado, mas há gostos para tudo. E ainda temos o melão. “Com melão vinho bom”, diz o provérbio. E se for de casca de carvalho, bem suculento e refrescante, é cá um manjar divinal e imperdível. O que importa mesmo é o convívio, não necessariamente à mesa, pois as festas populares acontecem nas ruas.
As castanhas são as sementes dos castanheiros, por sinal bem nutritivas e que, inclusivamente, servem de acompanhamento para alguns pratos à base de carne de porco. Ricas em hidratos de carbono e fibras, com pouco teor de gordura, as castanhas são colhidas durante os meses de outubro e novembro depois de saírem dos ouriços – as cascas espinhosas que as protegem -, sendo colhidas no chão. As plantações da preciosa e deliciosa semente são feitas por todo o país, mas há quem reclame e legitime o produto como seu, ou melhor dizendo, o que tem o sabor mais agradável entre as várias espécies.
A chamada castanha judia é uma das variedades mais conhecidas e é em Valpaços, cidade da região do Alto Tâmega, na região Norte de Portugal, que se podem encontrar as mais saborosas. Aliás, não é por acaso que uma das feiras mais apreciadas – a Feira da Castanha Judia – se realiza neste mês de novembro em Carrazedo de Montenegro, vila do município de Valpaços, dada a sua importância na economia e identidade locais.
Negócio ambulante nas ruas do Porto
Por esta altura, a cidade do Porto sente e respira o agradável cheiro das castanhas assadas. Nas principais artérias da Invicta e mesmo junto aos cemitérios, o negócio é feito à moda antiga. Dado tratar-se de uma iguaria sazonal, são muitos os pontos de venda ambulantes onde se pode comprar “uma dúzia delas” bem boas e estaladiças, assadas no carvão e embaladas em sacos de papel.
Esta é uma tradição com muitos anos e sabe bem comê-las em dias mais frios, aliás como daqui para a frente vai suceder. Curiosamente, em finais de época, ocorre um fenómeno a que se deu o nome de Verão de São Martinho. Mesmo que a explicação esteja relacionada com uma lenda, o causador do aumento repentino da temperatura ambiente está relacionado com a própria meteorologia, mais concretamente com o anticiclone dos Açores, com origem na Sibéria. O certo é que o fenómeno existe e, praticamente, coloca fim a um clima mais generoso na estação do outono, antes do general inverno começar a anunciar o Natal.
Como em tudo nestas coisas de tradições, a lenda do monge e cavaleiro São Martinho é contada a cada passo. O dia do santo celebra-se a 11 de novembro, altura em que as castanhas não podem mesmo faltar à mesa. Conta-se que no ano de 337, no século IV, num outono muito frio que assolava a Europa, um cavaleiro francês chamado Martinho regressava a casa quando se deparou com um mendigo que lhe pediu uma esmola. O cavaleiro despiu o seu manto, cortou-o a meio com a espada, e ofereceu-o ao desprotegido pedinte. E nesse momento surgiu um sol radioso, a contrastar com a tempestade, milagre que depois viria a ficar conhecido por Verão de São Martinho. O santo, que abandonou a guerra para se tornar num monge católico, viria a falecer e a ser sepultado no dia 11 de novembro e, por esse motivo, é nesta data que se celebra a data, obviamente com castanhas e bom vinho.
O Homem das Castanhas
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Quem quer quentes e boas quentinhas?
A estalarem cinzentas na brasa
Quem quer quentes e boas quentinhas?
Quem compra leva mais calor p´ra casa
Ary dos Santos (poeta português, 1936-1984)
É jornalista, natural da cidade do Porto, Portugal. Iniciou sua carreira na Gazeta dos Desportos, tendo depois passado pelo Record, Jornal de Notícias e Comércio do Porto, jornais de referência em Portugal. Participou da cobertura de múltiplos eventos nacionais e internacionais (Futebol, Basquetebol, Andebol, Ciclismo e Hóquei em Patins). Foi coordenador redatorial do FITEI (Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica). É responsável pelas redes sociais de equipes de ciclismo e dirigente desportivo em uma associação de Ciclismo. É colaborador do PortalR3, publicando textos escritos em português de Portugal.

