
É mito dizer que a vacina contra a influenza causa Acidente Vascular Cerebral (AVC) ou qualquer doença do coração. Ao contrário, há evidências científicas robustas que comprovam que o imunizante é capaz de prevenir enfermidades cardiovasculares e suas complicações, como o AVC, e pode evitar uma piora do quadro após infarto do miocárdio.
Além de proteger contra a doença respiratória causada pelo vírus influenza, a vacina da gripe é indicada para quem tem problemas cardiovasculares ou risco de desenvolvê-los, como as pessoas que têm diabetes, síndrome metabólica, hipertensão, aterosclerose (acúmulo de colesterol ruim nas artérias), obesidade e aumento da circunferência abdominal.
“Temos estudos que comprovam com evidências científicas potentes que vacinar contra a gripe tem um impacto positivo muito grande nestas pessoas porque a influenza pode ser um desencadeador inflamatório em cascata, aumentando o risco de provocar as complicações e descompensar doenças pré-existentes. Quem fala que a vacina Influenza causa estas doenças está indo na contramão da ciência”, afirma a gestora médica de Desenvolvimento Clínico do Butantan Carolina Barbieri.
No Brasil, a vacina contra gripe disponível no Programa Nacional de Imunizações (PNI) é a Influenza trivalente do Instituto Butantan, que é indicada para prevenção de quadros clínicos severos, complicações, hospitalizações e óbitos pelos vírus influenza.
Em 2025, a vacina da gripe passou a fazer parte do Calendário Nacional de Vacinação de rotina para crianças de 6 meses a menores de 6 anos, gestantes e pessoas com 60 anos ou mais. Isso significa que o imunizante estará disponível ao longo de todo o ano nas unidades básicas de saúde, não somente durante as campanhas sazonais para estes públicos.
A vacina do Butantan é pré-qualificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), querecomenda o uso de vacinas trivalentes da gripe, em vez das quadrivalentes. “A vacina contra gripe deve ser tomada todos os anos, principalmente pelo público com mais de 60 anos, crianças pequenas, gestantes e puérperas, quem mais sofre com internações e mortes pela doença. O fato de ter recebido o imunizante no ano anterior não causa nenhuma sobrecarga ou contraindicação para a aplicação no ano seguinte”, esclarece Carolina Barbieri.
Estudos comprovam
O artigo“Influenza vaccination and major cardiovascular risk: a systematic review and meta-analysis of clinical trials studies”(Vacinação contra influenza e principais riscos cardiovasculares: uma revisão sistemática e meta-análise de estudos clínicos), publicado em 2023 na revistaScientific Reports, da Nature, apresenta uma revisão sistemática e meta-análise sobre a relação entre vacinação contra a gripe e a redução de eventos cardiovasculares graves.
O estudo investigou se a imunização da influenza estava associada à redução do risco de eventos cardiovasculares importantes, como infarto do miocárdio, morte cardiovascular e AVC. A revisão sistemática de cinco estudos, com mais de 9 mil pacientes com doenças cardiovasculares, metade vacinados contra gripe e metade que recebeu placebo, demonstrou que a doença aumenta a inflamação sistêmica e pode desestabilizar as placas ateroscleróticas (acúmulo de gordura ou colesterol nas artérias), favorecendo eventos cardiovasculares.
A meta-análise demonstrou ainda que a vacina reduz o risco de infecções respiratórias que agravam as doenças do coração e pode modular positivamente a resposta imune em pessoas que sofrem com elas.
Vacina reduz risco de morte após infarto
O artigo“Influenza Vaccination After Myocardial Infarction”(Vacinação contra a gripe após infarto do miocárdio), publicado em 2021 na revistaCirculation, da American Heart Association Journals, apresenta os resultados do estudo IAMI, um ensaio clínico randomizado, duplo-cego e controlado por placebo, que avaliou se a vacinação contra a gripe administrada logo após um infarto do miocárdio pode reduzir eventos cardiovasculares subsequentes, como mortalidade, um novo infarto ou trombose de stent (formação de coágulo em prótese cardíaca).
Foram avaliados 2.571 pacientes após infarto do miocárdio ou doença cardiovascular, de 30 centros localizados em oito países, entre 2016 e 2020. Destes, 1.272 receberam o imunizante contra influenza 72 horas após angiografia ou internação, e 1.260 receberam placebo.
O artigo concluiu que a vacina da gripe, administrada precocemente após um infarto ou em pessoas com doença cardiovascular de alto risco, reduz significativamente o risco de morte e morte cardiovascular em 12 meses. Entre os possíveis mecanismos de proteção estariam a redução da inflamação sistêmica, a estabilização das placas ateroscleróticas e a prevenção de infecções secundárias causadas pelo vírus influenza, na comparação com a população que recebeu placebo.
A pesquisa demonstrou ainda que a vacinação não trouxe diferença significativa no risco de novo infarto ou trombose de stent e que a vacina se mostrou segura, com eventos adversos leves, como dor no local da aplicação.
No ponto de vista clínico, o artigo concluiu que a imunização contra a gripe deve ser considerada parte do tratamento hospitalar padrão após infarto.
“Apesar de ser recomendada por diretrizes, a vacinação contra influenza é subutilizada, e os achados deste estudo enfatizam sua importância em pacientes com doenças cardiovasculares”, aponta o artigo.
Vacina atua na prevenção de doenças do coração
O artigo“Influenza vaccine as a coronary intervention for prevention of myocardial infarction”(Vacina contra influenza como intervenção coronária para prevenção de infarto do miocárdio), publicado em 2016 na revista Heart, periódico de cardiologia do British Medical Journal, discute o papel da vacinação contra a gripe como estratégia de prevenção secundária de infarto agudo do miocárdio em pessoas com doenças cardiovasculares.
O artigo leva em conta evidências de que infartos do miocárdio aumentam durante surtos de gripe, especialmente nos três primeiros dias após a infecção. Nesse sentido, a influenza pode antecipar o infarto pela liberação de citocinas inflamatórias, pela desestabilização das placas ateroscleróticas, trombose e obstrução arterial, além de febre, taquicardia, hipóxia (ausência de oxigênio dos tecidos) e vasoconstrição.
O estudo comparou a eficácia da vacina com outras intervenções, como o uso de anti-hipertensivos, estatinas e o fim do tabagismo, tendo a vacina o maior percentual potencial de eficácia comparado aos demais – de 15 a 45%. Para efeito de comparação, o fim do tabagismo teve eficácia de 32 a 43%; estatinas, de 19 a 30%; e o uso de anti-hipertensivo, de 17 a 25%. Segundo os pesquisadores, esse resultado aponta a vacina da gripe também como um bom custo benefício, comparado com as altas cifras usadas no tratamento de doenças cardíacas em grupos de risco e no manejo dessas doenças a longo prazo.
“É preciso ficar claro que a vacina da gripe salva vidas, diminui o custo hospitalar, melhora a qualidade de vida de pessoas, diminui o risco de AVC, infarto, internações, pneumonia, e diminui o uso de antibióticos e de resistência antimicrobiana, porque evita outros problemas, além da gripe”, conclui Carolina Barbieri.