Fundado em São Paulo, Centro de Valorização da Vida estende a mão a quem mais precisa há 63 anos

De forma voluntária e sigilosa, a iniciativa foi uma das primeiras a entender a saúde mental como uma séria questão no Brasil; está precisando de ajuda? Ligue 188

Precisa de ajuda? Ligue 188.
Precisa de ajuda? Ligue 188. (Imagem: Alesp)

Em 1962, após uma viagem à Inglaterra, onde conheceu um projeto que por telefone ajudava pessoas que passavam por grande sofrimento emocional, o jovem Jacques Conchon entendeu que poderia fazer algo por quem estava em seu entorno.

O recifense, que havia se mudado com a família para São Paulo, se dizia chocado com notícias de que, no estado que agora era sua casa, quatro pessoas cometiam suicídio por dia. Conchon, que à época tinha apenas 20 anos, decidiu então reunir colegas e fundar o Centro de Valorização da Vida, o CVV.

Então, o estado de São Paulo tornou-se berço de uma das iniciativas mais importantes na prevenção ao suicídio em todo o país e o CVV, destino para aqueles que sentem que não há mais para onde ir.

Primeiro plantão

Em uma sala comercial na região central da cidade de São Paulo, os primeiros voluntários do CVV montaram uma bancada com telefones e deram início ao projeto. O grupo, inicialmente de 17 pessoas, passou a doar tempo e atenção para quem precisasse.

De forma voluntária e sigilosa, a iniciativa foi uma das primeiras a entender a saúde mental como uma séria questão no Brasil.

“Partimos do zero e, inicialmente, lutamos para vencer a enxurrada pessimista que nos desencorajava com argumentos tais como: ‘isso é para psiquiatras e não para leigos'”, conta Jacques Conchon, no livro ‘Nos Caminhos da Amizade’, de 1987. A publicação foi uma celebração aos 25 anos do CVV que, na época, tinha saltado de 17 para 2,5 mil voluntários.

Aceitação, Compreensão e Respeito se tornaram os lemas do grupo que, de atendimento em atendimento, construiu a essência que mantém até hoje: ser um espaço de empatia.

“Aprendemos que o encontro (relação de ajuda) é um processo recíproco, um entendimento a dois, sedimentando-se assim um maravilhoso critério de igualdade”, – Conchon (1987).

Superando a descrença inicial, o Centro de Valorização da Vida se estabeleceu como um serviço significativo para a sociedade e, em 1973, passou a ser reconhecido com título de instituição de Utilidade Pública Federal.

Ao longo dos anos, o CVV se difundiu para outros estados do país, com postos físicos para o trabalho dos voluntários e, também, com atendimentos presenciais. Hoje, a associação está presente em 19 estados e no Distrito Federal com 90 postos físicos.

Em 2024, foram ao todo cerca de 2,7 milhões de atendimentos, totalizando aproximadamente 280 mil horas de escuta ativa e empática. Atualmente, o CVV dispõe de cerca de 3.360 voluntários, incluindo atendimento, apoio e especialistas.

Voluntariado

“Conheci o trabalho do CVV muitos anos atrás, em um comercial na televisão. E, para mim, fez todo o sentido esse processo de valorizar a vida”, conta Antônio, voluntário há 26 anos.

O CVV tem como principais características o trabalho voluntário e o anonimato no atendimento. Esses fatores aproximam mais a entidade do público e afastam o receio do julgamento alheio.

Antônio é o nome pelo qual Sérgio Batista se apresenta em seus plantões no CVV. O engenheiro de 72 anos é voluntário em São Paulo, mas recebe ligações de todo o Brasil, além de também prestar apoio emocional por e-mail. “Faço plantões uma vez por semana, mas meu compromisso diário é zerar a minha caixa de e-mail, responder todas as novas mensagens”, afirma.

Por conta dos longos anos de experiência, Antônio hoje também faz parte da equipe de capacitação de novos voluntários do CVV. A instituição está sempre em busca de novos colaboradores e todos os interessados devem passar por um treinamento com especialistas, que avaliam a capacidade de escuta do candidato e desenvolvem os princípios do CVV.

“O curso dura o entorno de oito semanas. Nesse tempo, você vai conhecer a instituição, ter o olhar de quem é a pessoa que procura o CVV e que características que o voluntário deve observar em si para desenvolver esse trabalho. Você vai aprender como essa relação de ajuda e conversa compreensiva faz com que a pessoa compartilhe seu momento”, explica Antônio.

Há 26 anos, o engenheiro tem contato direto com pessoas com ideias suicidas e em profundo sofrimento emocional. “Ao longo do tempo percebi que não sou muito diferente das pessoas que ligam, a não ser pela preparação que tenho. A pessoa que pensa em suicídio está em um momento de fragilidade e de crise. Receber ajuda nesses momentos pode fazer toda a diferença na vida dela”, conta o voluntário do CVV.

Para Antônio, o diálogo afetivo é a principal ferramenta para momentos de crise. “Falar é muito importante. Muitas vezes, não falamos das nossas dificuldades, dos nossos sentimentos e isso cria uma situação de sufoco. A oportunidade de falar em um ambiente acolhedor pode criar uma sensação de alívio e ajudar a pessoa a encontrar novos caminhos”, afirma.

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“Nesses momentos, nos aproximamos da pessoa de forma aberta, sem preconceitos, sem julgamentos. Acolhemos a pessoa como ela pôde se apresentar”, reforça o voluntário.

Como Vai Você

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 700 mil pessoas morrem por suicídio anualmente. Essa é a terceira principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos, com taxas alarmantes em todas as faixas etárias.

Para o psiquiatra José Manuel Bertolote, este é um problema antigo, mas que a cada ano vem se espalhando para diferentes áreas e classes da sociedade. O especialista foi coordenador do Programa de Controle de Transtornos Mentais e Doenças Neurológicas da OMS por 19 anos.

“Os estudos mais atuais nos mostram que mais de 95% das pessoas que se suicidaram tinham uma história de algum transtorno mental”, alerta Bertolote. “O individuo em processo suicida tem o que chamamos de visão em túnel, ele não enxerga outras possibilidades e nem quem poderia ajudá-lo”, afirma o psiquiatra.

Enxergar o fim da vida como única opção, explica Bertolote, é querer muitas vezes dar fim a uma dor sem saber que pode ser ajudado. “É importante dizer que a maioria das pessoas que cometem suicídio não queria morrer, temos isso muito bem documentado. Desejar o fim da dor de existir não é o mesmo que desejar o fim da vida.”

“Um dos fatores de risco principais no processo suicida é o sentimento que a pessoa tem de isolamento social e afetivo”, aponta o psiquiatra.

Bertolote afirma que é difícil estabelecer uma relação causal para o suicídio, ou seja, não há como definir condições claras que levem a isso. No entanto, a empatia e o diálogo serão sempre bem-vindos.

“O que a pessoa sem um treinamento específico pode fazer é demonstrar um interesse genuíno pela outra pessoa. Isso não implica em tratar o indivíduo, mas nele acende-se uma luz de perceber que não está só”, diz. “Se você percebe que alguém está com sinais de estar em sofrimento, procure se aproximar. É uma questão humanitária e estender a mão salva vidas.”

Saúde pública

José Bertolote atua há mais de 50 anos na área e trabalha, em parceria com diferentes entidades, para fortalecer o debate sobre a saúde mental em busca de políticas públicas permanentes no Brasil. (Foto: Agência Alesp/Divulgação)

José Bertolote atua há mais de 50 anos na área e trabalha, em parceria com diferentes entidades, para fortalecer o debate sobre a saúde mental em busca de políticas públicas permanentes no Brasil.

O entendimento do suicídio como um problema de saúde pública ao redor do mundo veio tardiamente, alertam especialistas, que afirmam que esse deve ser um tema prioritário para toda a sociedade.

“O Brasil ainda não encontrou como colocar a saúde mental na rede básica. Sou um grande admirador do SUS, se você tem doenças crônicas ou precisa de vacina, você vai ao SUS e é muito bem atendido. Mas quando falamos de transtornos mentais, ainda não estão preparados. Não porque não querem, é preciso ter escolha política”, afirma Bertolote.

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