O peso das reclamações e a leveza da resiliência

O hábito de reclamar se torna uma lente inflamada: aumenta o que dói, distorce o que é pequeno e transforma a vida em uma sucessão de espinhos

Família unida, celebrando a beleza da vida, mesmo diante do caos. (Foto: Arquivo pessoal)

Quantas vezes nos perguntamos por que certos dias parecem ruins? Por que cruzamos com pessoas que nos ferem ou enfrentamos situações que parecem injustas?

Freud dizia que “as emoções não expressas nunca morrem, são enterradas vivas e saem das piores maneiras”. Talvez, mais do que os fatos em si, seja a forma como os interpretamos que nos aprisiona.

O hábito de reclamar se torna uma lente inflamada: aumenta o que dói, distorce o que é pequeno e transforma a vida em uma sucessão de espinhos.

Pesquisas recentes apontam que o excesso de pensamentos negativos inflama o cérebro, desgasta o corpo, adoece a alma. Reclamar sem pausa é como regar diariamente uma planta seca, esperando que floresça.

Eu mesma experimentei isso no corpo. Em um período de vida em que me deixei ser engolida pela queixa, adoeci. Uma úlcera me lembrou, de forma dura, que não é possível alimentar o estômago de amargura sem que ele nos cobre a conta. A dor física foi meu chamado de atenção para o que eu insistia em não enxergar: a vida não muda porque reclamamos, mas porque aprendemos.

E, nesse processo, descobri também o valor dos pequenos hábitos. Uma boa conversa que nos alivia, um curso que expande a mente, um esporte que oxigena o corpo, pode parecer, mas tudo isso atua como antídoto silencioso contra a reclamação.

O bem-estar não chega de forma grandiosa, mas se constrói nos detalhes que cultivamos no dia a dia.

E se tem dores que parecem insuportáveis, é no luto que aprendemos a relativizar o que antes parecia gigante. A perda nos ensina, à força, a não desperdiçar energia com pequenas mágoas, contratempos ou desentendimentos. Depois de atravessar a dor de perder alguém, como não compreender que certas discussões são apenas ruídos passageiros?

Foi justamente na experiência mais dura que aprendi isso. Quando meu pai, João Batista dos Santos, passou dez anos em tratamento contra um câncer, eu testemunhei a força do que significa não reclamar. Mesmo no auge da doença, ele dizia que estava tudo bem. Olhava em volta e lembrava que sempre havia casos piores: crianças, jovens e idosos que, mesmo diante do caos, ainda conseguiam sorrir. Sentia-se feliz pelo que havia conquistado até ali e afirmava que, se fosse para viver limitado, preferia não viver.

Em 2019, quando ele faleceu, eu, minha mãe, meus irmãos, sobrinhos e cunhados não deixamos de ver a beleza e a gratidão até nos dias aparentemente ruins. Porque, com ele, aprendemos que a vida é maior do que as circunstâncias. Ele não reclamou, mesmo na dor. Escolheu ver beleza.

E então, fica a pergunta: será que você não está transformando a reclamação em hábito? Será que ela não está lhe cegando para enxergar a vida que ainda pulsa, mesmo nos dias difíceis?

Mas também é preciso reconhecer o mundo em que vivemos. Um tempo em que tudo é urgente, imediato, exposto. Pessoas que precisam chorar em meio ao caos muitas vezes não conseguem, porque o mundo não lhes permite parar. Até o luto, em alguns contextos, virou um incômodo social. E essa pressão silenciosa já é uma forma de reclamação coletiva: estamos cercados de um mundo que parece não tolerar fragilidades. O mundo anda chato.

Transformar a queixa em resiliência é escolher enxergar no obstáculo uma etapa da travessia. É como se cada experiência viesse com uma lição oculta: testar nossa paciência, ampliar nossa visão, ensinar a soltar o que não cabe mais. Ao invés de reclamar, podemos aprender a agradecer pelo que o momento nos obriga a desenvolver.

Não é negar a dor, nem mascarar as dificuldades. É saber que elas são parte do desenho maior. Como escreveu Viktor Frankl, sobrevivente dos campos de concentração: “quando não podemos mais mudar uma situação, somos desafiados a mudar a nós mesmos”.

O convite, então, é simples, embora nada fácil: trocar o peso da reclamação pela leveza da compreensão. Afinal, talvez os dias ruins não existam. Talvez sejam apenas dias que ainda não entendemos.

À memória de João Batista dos Santos, meu pai, que me ensinou, mesmo na dor, a nunca deixar de enxergar a beleza da vida.

Jornalista, mestre em Ciências Ambientais e apaixonada por comunicação com propósito. Com mais de 20 anos de atuação em rádio, TV, assessoria e projetos socioambientais, construí uma trajetória que conecta informação, sustentabilidade e impacto. Fui repórter, editora e apresentadora na Rede Aparecida e no Grupo Bandeirantes de Comunicação, onde assinei produções como Vale Ecologia, Semana Terra Viva e Projeto Rio Vivo. Sou especialista em Telejornalismo, Marketing, Redes Sociais e Comunicação Institucional. Na assessoria de imprensa do UNISAL, integrei o Plano de Sustentabilidade e fortaleci o relacionamento com a mídia. Hoje, atuo na Seção de Comunicação Social do Exército Brasileiro – AMAN e na Rádio Verde-Oliva, unindo patriotismo, estratégia e sensibilidade na missão de comunicar. Capacitadora ambiental, membro honorário do Instituto de Estudos Valeparaibano, vencedora de prêmio de Comunicação do Rotary Club e agraciada com a Medalha Marechal José Pessôa (2024). Gravo materiais institucionais, podcasts, spots e vídeos publicitários. Eterna estudante de inglês e curiosa pelas conexões entre jornalismo, ESG e educação ambiental..

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