
O Boavista Futebol Clube, coletividade centenária fundada em 1903, de raízes inglesas, está a atravessar um dos períodos mais negros do seu historial. A situação é de tal forma dramática, que a SAD do clube axadrezado avançou com um pedido de insolvência tendo em vista à recuperação económico-financeira. As dívidas ao Estado, fornecedores, atletas e funcionários ascende a mais de 200 milhões de euros, motivo pelo qual o clube do Bessa – na altura ainda a militar na divisão maior do futebol português – viu-se impedido de inscrever jogadores, tendo na temporada de 2024/25 descido ao escalão secundário. O facto, em si, nem constituiria um mal maior, pois esta não seria a primeira vez que tal sucedia, mas desta feita a situação é extremamente grave. Entretanto, a Polícia Judiciária (PJ) fez buscas no Estádio do Bessa, bem como em residências no Porto e na cidade de Viseu, e seis elementos foram constituídos arguidos por alegadas burlas económicas, bem como a própria SAD boavisteira.
Mergulhado nesse colossal mar de dívidas, o Boavista não teve outra solução que não a de declarar insolvência, pelo que ficou logo impedido de competir nos campeonatos profissionais. Pior ainda, poderá nem sequer disputar os campeonatos distritais, obviamente se o clube fechar as portas, um cenário possível face à gravidade da atual situação. Tudo porque o clube que veste de xadrez foi esta terça-feira investigado por diversos agentes policiais devido a suspeitas dos crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais praticados por alguns dirigentes, entre os quais Vítor Murta, ex-presidente do clube e da SAD, que recebeu a “visita” das autoridades na sua própria residência. Não houve detenções, mas Murta e mais cinco elementos afetos ao antigo elenco diretivo foram constituídos arguidos, supostamente por desvios – suspeita de lucros ilícitos entre 2023 e 2024 – estimados em 10 milhões de euros.
A pantera que assustava o dragão
Durante muitos anos foram muitos os duelos travados entre panteras e dragões, ou seja, entre Boavista e FC Porto. Um terceiro clube, o também centenário Sport Comércio e Salgueiros – ficou sem o estádio e disputa os campeonatos distritais -, outrora um “gigante” da Cidade Invicta, é hoje recordado com muita saudade, pois os confrontos no Estádio Vidal Pinheiro constituíam um hino ao futebol, histórias feitas de muita luta e garra, os tais dérbis renhidos entre equipas vizinhas da mesma cidade. Claro que nunca comparáveis a um Benfica-Sporting, o dérbi eterno da capital Lisboa, mas sempre apaixonantes e vibrantes, por vezes a excederem os limites do que deve ser a essência de um jogo de futebol.
A vida centenária do Boavista é feita de múltiplas histórias de sucesso no futebol e nas 28 modalidades amadoras de competição e seis de “não competição” que chegaram a movimentar mais de 1.500 atletas. O clube foi considerado o “quarto grande” do país, logo a seguir ao FC Porto, Sporting e Benfica, com o futebol a dominar as atenções. Pelo emblema da pantera passaram jogadores de enorme talento, casos dos internacionais portugueses Nuno Gomes ou João Vieira Pinto, já retirados dos relvados, ou dos ainda craques Bruno Fernandes (Manchester United) e de André Silva (Werder Bremen). O desfile é tal ordem variado e vasto, incluindo estrangeiros de renome -muitos deles brasileiros -, que fizeram com que o Boavista fosse conhecido por “Boavistão”, mas aos dias de hoje, lamentavelmente, uma sombra bem negra da sua grandiosidade.
O grande timoneiro Major Valentim Loureiro, atualmente com 87 anos, presidente da direção do Boavista Futebol Clube entre 1978 e 1997, jamais deixaria que tal situação acontecesse. A ele se deve o grande sucesso de um clube eclético que soube dar luta aos “maiores” de Portugal, que poucos anos depois viria a ser campeão de Portugal sob o comando do combativo Jaime Pacheco, antigo médio internacional que, entre outros clubes, atuou no FC Porto e no Sporting. Memórias que ficam para a história. O presente está envenenado e o futuro seriamente comprometido.
