
Olá, tudo bem?
Eu sou a jornalista Lilian de Paula. E a partir de hoje, passo a escrever sobre assuntos variados nesta coluna. O primeiro deles será a viagem que tive com meu esposo recentemente. Nossas Férias 2025.
Crônica
Em maio de 2025, Luis Flávio (meu parceiro de vida) e eu vivemos uma jornada intensa e inspiradora por seis países da Europa — Eslovênia, Croácia, Bósnia-Herzegovina, Áustria, Itália e Turquia — em 20 dias inesquecíveis. O mais legal, sem sair de casa! Alugamos, pela primeira vez, uma van home.
A aventura começou com um voo do Brasil até Istambul, onde conhecemos uma simpática coreana de 77 anos, viajando sozinha para fazer trekking na Geórgia — um primeiro sinal de que a viagem traria muito mais que paisagens: ensinamentos de coragem, liberdade e resiliência.
Depois, vôo de Istambul para a Eslovênia. Na Eslovênia, conhecemos Ursha, da empresa de motorhomes, e Sr Branco, um morador que compartilhou conversas sobre cultura local e o ídolo do ciclismo Tadej Pogačar. Na Croácia, fomos impactados pela beleza do Parque Nacional de Plitvice, com seus lagos e tufas em constante transformação.
A experiência de viajar de van foi marcante. A estrutura de campings, a liberdade de cozinhar e dormir em qualquer lugar e o conforto da “casa sobre rodas” tornaram tudo mais íntimo e econômico. A van home se mostrou eficiente, confortável e prática — um modo de viajar que permitiu observar o mundo de dentro da cozinha ou de um camping silencioso à beira do rio.
O GPS nos auxiliou e muito, pois o idioma esloveno, croata, bósnio e austríaco, são impossíveis. Que dirá o turco. No italiano, há até alguma similaridade. Mas como arranhamos o inglês, ele foi nosso GPS linguístico na aventura.
Na Bósnia- Herzegovina, passeamos por diversos outros lugares, como Jajce — uma cidade com mais de três mil anos de história. Tivemos sorte ainda que muita gente não conheceu o local, que já foi residência de reis medievais, governadores otomanos. Hoje é um destino turístico lembrado pelas suas belezas naturais e pela fortaleza medieval, mas muito longe de ser tumultuada de gente. Visitamos a Fortaleza de Jajce, um local muito bem preservado, embora, curiosamente, ainda não tenha sido tombado pela Unesco — o que, de certa forma, consideramos positivo.
Ainda na Bósnia, ao chegarmos em Sarajevo, nos deparamos com marcas profundas de um passado recente: muitas casas ainda ostentam cicatrizes da guerra de 1993, com paredes cravejadas de projéteis — símbolos materiais de um tempo catastrófico para o país.
Aqui também vale citar que, em termos culturais e históricos, a Bósnia e Herzegovina é fascinante: um verdadeiro ponto de encontro entre o Oriente e o Ocidente. Sua localização estratégica, entre a Europa Ocidental e Oriental, fez dela uma encruzilhada de civilizações e culturas ao longo dos séculos. Politicamente, o país é composto por duas grandes regiões: a Bósnia, que ocupa a maior parte do território ao norte e centro, e a Herzegovina, ao sul. Não há, contudo, uma divisão administrativa formal entre elas.
A estrutura política é complexa: trata-se de um país federal, composto pela Federação da Bósnia e Herzegovina (onde vivem principalmente bósnios e croatas) e pela República Srpska (predominantemente sérvia).
A República Srpska, ao leste e norte, é majoritariamente ortodoxa, enquanto a Federação, no oeste e centro, abriga principalmente católicos e muçulmanos.
Um exemplo claro dessa divisão é a cidade de Mostar, onde os muçulmanos ocupam a margem oriental do rio e os cristãos vivem na margem ocidental. Por lá, também passamos.
Ainda na Bósnia, as tufas cobertas de vegetação criam um efeito visual deslumbrante na queda de 25 metros da Cachoeira de Kravica.
Na saída da Bósnia para Croácia novamente, os termômetros marcavam 29°C — as temperaturas mais altas da nossa viagem até então! Seguimos para o sul, cruzando a fronteira com a Croácia. Tudo ocorreu de forma tranquila, mesmo com a solicitação de documentos e com o detalhe de termos alugado o carro na Eslovênia.
Chegamos a Dubrovnik. Vê-la do alto é entender o apelido de “Pérola do Adriático”. Cercada por muralhas e de aparência quase nova, a cidade parece recém-restaurada, tamanha a preservação. No entanto, sua história remonta ao século VII. Fundada por refugiados de Epidaurum, floresceu como a República de Ragusa entre os séculos XIV e XVI, tornando-se uma potência marítima no Mediterrâneo.
Mais recentemente, sofreu danos durante a Guerra de Independência da Croácia, em 1991. Logo na entrada da Cidade Velha, há um mapa que indica as áreas atingidas pelos bombardeios — uma memória viva do conflito.
Dubrovnik também ganhou fama mundial como cenário de Game of Thrones. Isso elevou ainda mais o turismo — e os preços! Consideramos a cidade a mais cara da viagem: o estacionamento por três horas saiu por 30 euros, e o Museu Marítimo custa 40 euros por pessoa.
Optamos por explorar a Cidade Velha, um verdadeiro mergulho no passado.
Nos hospedamos no camping Pod Manislom, em Oraŝac. O atendente, Steven, foi super simpático e se divertiu tentando pronunciar nossa cidade natal: Guaratinguetá. (Nos solidarizamos — tentamos pronunciar o nome dele e outros croatas sem muito sucesso! rsrs)
Na manhã seguinte, fomos até a praia próxima ao camping — o vento estava fortíssimo e o mar, gelado! Depois de arrumar tudo na van, seguimos rumo à histórica Split.
No caminho, paramos para almoçar em um mirante próximo a Gradac, apreciando o litoral. Ganhamos 190 km — até então, o dia com mais quilometragem da viagem.
Em Split, tivemos a sorte de encontrar uma vaga de estacionamento bem em frente ao Palácio de Diocleciano, uma das ruínas romanas mais bem preservadas do mundo. Construído entre os séculos III e IV d.C., o palácio foi a residência de aposentadoria do imperador Diocleciano. Combinando influências romanas, gregas e bizantinas, sua arquitetura impressiona até hoje.
À noite, seguimos para o camping Šibenik. E que camping! O maior que vimos até agora. A atendente disse que éramos os primeiros brasileiros a se hospedarem por lá!
Em 22, pegamos a estrada de volta à Eslovênia. Rumamos para Postojna — o pequeno país é menor que o estado de Sergipe, mas guarda surpresas grandiosas. Esse dia foi nosso recorde de estrada: 390 km rodados em um único dia!
No dia 23, visitamos a Caverna de Postojna, com temperatura interna de 10°C. As formações de estalactites e estalagmites são de tirar o fôlego — esculpidas ao longo de milhões de anos. No mesmo dia, visitamos o imponente Castelo de Predjama, incrustado em um penhasco. Reconstruído em 1570 em estilo renascentista, é um cartão-postal que parece saído de um filme de fantasia medieval.
Itália, lá vamos nós!
Seguimos para a Itália, rumo a Trieste. Foram só 45 km — e que alegria voltar a essa cidade que já havíamos visitado em 2018! Fizemos a trilha costeira até o Castelo de Duino. A vista do cânion, com o mar ao fundo, é de arrepiar.
No fim da tarde, partimos para Gorizia, para assistir à chegada da 14ª etapa do Giro d’Italia! Afinal, somos ciclistas no Brasil. O dinamarquês Kasper Asgreen venceu o trecho de 195 km entre Treviso e Nova Gorica com média impressionante de 47,8 km/h.
A Esquadrilha da Fumaça italiana coloriu o céu. Um espetáculo! E o Luís ainda deu entrevista para o canal local In Trieste.
Dormimos no camping Ai Pioppi, em Trasaghis (descoberto por acaso, após dois campings desativados). No dia seguinte, sob um céu de brigadeiro, partimos rumo ao temido Monte Zoncolan — ícone do ciclismo. Com rampas de até 22% de inclinação e 1.750 m de altimetria, a subida é brutal. Subimos de motorhome, mas vibramos ao ver a ciclista italiana Eugênia concluir o desafio com força e coragem após 1h20 pedalando. Aplaudimos de pé!
Áustria: Plöckenpass e Hohe Tauern
Na sequência, cruzamos a espetacular estrada de Plöckenpass rumo à Áustria. Dica importante: no país, é obrigatório o uso da vinheta (adesivo ou digital) para circular pelas estradas. Compramos a nossa por 12 euros, válida por 10 dias.
Chegamos ao camping Fleissner/Alm Casino, em Heiligenblut. O frio era cortante, mas fomos aquecidos pela simpatia do senhor Joseph, que puxou papo sobre o Brasil, Ayrton Senna, samba, Rio… e até Eike Batista!
Finalizamos o dia sob o céu dos Alpes, com a sensação de estarmos diante de algo realmente grandioso.
E não estávamos equivocados. No dia 26 de maio, acordamos animados para explorar o Parque Nacional Hohe Tauern, um dos maiores da Europa. Lá, é possível fazer diversas trilhas gratuitas — só de bike, contamos pelo menos 24 nos folders informativos! Mas, atenção: para acessar de carro, é necessário pagar 45 euros. Pesquisamos bastante e descobrimos que o ponto mais alto da Áustria está lá: o Grossglockner, com 3.798 metros. E o avistamos ao longe, imponente!
Fizemos uma caminhada tranquila à beira do rio, onde vimos as famosas marmotas e também o maior glaciar da Áustria: a Geleira Pasterze, com cerca de 8,4 km de comprimento — um espetáculo gelado!
Mais do que uma viagem turística, a jornada foi um mergulho em outras formas de viver. Cada país, com sua história e suas cicatrizes, ensinou algo sobre superação. Mais do que visitar lugares, foi uma travessia humana — onde o maior ganho não foi o destino, mas as pessoas encontradas e as histórias vividas no caminho.
Voltamos para a Eslovênia, numa cidade de nome complicado Cerklje na Gorenjskem.
Como havíamos entregado nossa van home, ficamos no país de ônibus e a pé. Nossa última aventura nessas férias, foi visitar a Turquia. Em 2018, havíamos feito conexão na Turquia e não tivemos a oportunidade de conhecer Istambul. Dessa vez, foi diferente — fizemos um tour Mesquita Azul onde, para adentrar o local, mulheres precisam colocar o lenço na cabeça, todos precisam tirar seus sapatos. E se, homem ou mulher, estiverem trajando saias ou bermudas, devem emprestar uma espécie de saiote na entrada da mesquita. Tudo é gratuito.
Seguimos então para a icônica Hagia Sophia (Ayasofya), que desde 2020 voltou a ser mesquita, na sequência, conhecemos o Hipódromo de Constantinopla, atualmente conhecido como Praça Sultanahmet, onde estão preservados monumentos históricos como o Obelisco de Teodósio — trazido diretamente do Egito há mais de 1500 anos — e a Coluna Serpentina, um artefato ainda mais antigo, do século V a.C., originário de Delfos, na Grécia. Como não poderia faltar, atravessamos o movimentado Grande Bazar (Kapalıçarşı). O local é um labirinto fascinante com mais de 4 mil lojas — desde tapetes e joias até temperos e cerâmicas.
A estrada chega ao fim, mas o que ela nos deixou continua ecoando dentro de nós — firme, vivo, transformador.
Foram 28 mil quilômetros nos céus
Seis países na construção da vida
2.600 quilômetros sobre rodas
E vinte dias de passos registrados no Strava
Se, como disse Gabriel García Márquez, “só se leva da vida o que se vive”, então que eu viva intensamente tudo o que desejo levar comigo.
O caminho de volta também é bonito.
A única pressa que tivemos foi a de viver tudo — com presença, com alma, com maestria.